Há temas/assuntos que são difíceis de compreender, tanto na perspectiva histórica, quanto olhando para o indivíduo que estava nela. Mas ai vai o questionamento: quantas vezes ouvimos as vozes ditas por quem efetivamente presenciou tal acontecimento, deixando um pouco de lado as filosofias e romantismos construídas sobre a história?
Svetlana traz essa outra perspectiva para nós.
Resenha Último Ato!
- Título: Vozes de Tchernóbil
- Autor: Svetlana Aleksiévitch
- Editora: Companhia das Letras
- 319 Páginas
- 1ª Edição – 2016
Sinopse:
Para marcar os trinta anos do desastre de Tchernóbil, chega ao Brasil o relato mais impressionante do pior acidente nuclear da história.
Em abril de 1986, uma explosão na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia — então parte da finada União Soviética —, provocou uma catástrofe sem precedentes: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera e a cidade de Pripyat teve que ser imediatamente evacuada.
Tão grave quanto o acidente foi a postura dos governantes soviéticos, que expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os reparos na usina. Pessoas comuns, que mantinham a fé no grande império comunista, pereciam após poucos dias de serviço.
Por meio das vozes dos envolvidos na tragédia, Svetlana Aleksiévitch constrói este livro arrebatador, que tem a força das melhores reportagens jornalísticas e a potência dos maiores romances literários. Uma obra-prima do nosso tempo.
Tchernóbil (ou Chernobyl), Ucrânia, 26 de abril de 1986: quando a vida de muitas famílias mudou para sempre. Durante um teste de segurança com o quarto reator da usina nuclear situada na cidade, reator esse que tinha sido comissionado apenas três anos antes e já estava em funcionamento, há uma explosão. O fogo que veio em seguida ajudou a piorar o quadro e espalhar ainda mais radiação pela cidade. Estrôncio-90, Iodo-131, Césio-137, compostos altamente nocivos que foram lançados a 1km de altura quando o teto de uma tonelada do reator foi aos ares.
Os bombeiros são chamados, e aquilo é tratado como um incêndio como qualquer outro. Eles estão apenas com roupas simples, sem qualquer nenhuma proteção especial, e assim recebem altas doses de radiação enquanto controlam o incêndio. Aquela radiação está perigosamente maior do que um corpo humano poderia receber.
Mas mesmo correndo risco de vida (e tendo todos esses bombeiros morrido após o incêndio), ainda há muito o que falar sobre eles e sobre as demais pessoas que moravam perto dos reatores da usina nuclear. Quem são eles, e por que ninguém os deu ouvidos após o acontecido?
"Para que um acontecimento se torne história, são necessários uns cinquenta anos. Mas nesse caso as marcas ainda estarão quentes."
Reator 4 após a explosão. Imagem: drwtfblog |
"Mesmo envenenada pela radiação, esta é a minha terra. Não somos mais necessários em lugar nenhum. Até os pássaros preferem seus ninhos."
O acidente em Tchernóbil foi classificado como nível 7 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares, sendo esse o nível máximo. A cada 14 pessoas entre 46 e 50 anos apenas UMA morre de velhice. Há 6 mil doentes (de doenças oncológicas) a cada 100 mil, um número cerca de 74 vezes maior da estimativa feita antes do acidente. Ainda hoje é difícil contabilizar todo o resultado da catástrofe: grávidas que perderam seus filhos por causa da exposição, senhoras que adoeceram após terem que abandonar suas casas por causa da ameaça silenciosa, incolor e inodora.
Aquela foi - e ainda é! - uma guerra. Mas de quem contra quem? Quem era o culpado?
Vozes de Tchernóbil nos conta a história do acidente e como ficaram as cidades vizinhas à Usina. Mas como eu disse na introdução do post, isso não é feito de acordo com o olhar externo de um jornalista ou outra pessoa que procura filosofar ou romantizar o acontecido, mas justamente pelas pessoas que lá estavam, que foram os maiores prejudicados.
"Duas mulheres de Tchernóbil conversavam. A primeira diz: 'Você sabia que nós estamos com muitos glóbulos brancos?'. A outra: 'Que besteira! Ontem eu cortei o dedo e o sangue jorrou vermelho'."
Parque abandonado na cidade de Pripyat, a 4km de Tchernóbil. |
"Por acaso há algo mais pavoroso que o homem?"
Foi somente 36 horas depois da explosão que todos começaram a ser evacuados. Foram 166 mil evacuados ao total. O que o governo afirmava estar "sob controle" não estava nem um pouco controlado. Todos foram expostos à radiação e tiveram que sair de casa sem levar nada, nem mesmo os animaizinhos de estimação, e eles sequer haviam sido informados que nunca mais voltariam.
No livro de Svetlana conhecemos os responsáveis pela construção do primeiro sarcófago sobre o reator (que impedia da radiação continuar saindo em níveis exorbitantes), os liquidadores, as famílias deles. Como nenhum deles tinham condições de trabalhar nos locais, e como expuseram suas vidas a esse ato considerado como heroísmo. Vemos depoimentos cheios de angústia, raiva, dúvida, saudade, desamparo. A dor de cada um é refletida em suas palavras.
Eu não conseguia parar de pensar sobre o descaso do governo da antiga URSS (União Soviética) para/com os moradores próximos da usina, era como se a vida deles não fosse importante, e aquilo devesse permanecer em segredo. Ninguém sabia de nada e todos tiveram suas vidas abaladas de certa forma.
"Depois de Tchernóbil, o que restou foi a mitologia de Tchernóbil. Os jornais e as revistas competem entre si para ver quem escreve as coisas mais terríveis, e esses horrores agradam, sobretudo, àqueles que não os viveram."
Mais do parque de diversões em Pripyat. Imagem: bol notícias. |
"Todo o tempo, comparamos essa situação com a guerra. Mas podemos entender a guerra. O meu pai me falou sobre ela, eu li nos livros... Mas e isso, o que é?"
Svetlana recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 e suas obras estão cheias de vozes que contam as histórias de homens e mulheres soviéticos e pós soviéticos. Devo dizer que li este livro no Kindle, então devo falar sobre a edição dele por lá, e não da física. A leitura foi bem pesada justamente pela carga emocional envolvida. Cada voz com sua forma de se expressar, e a cada momento aparecia algo mais chocante.
Creio que os relatos que mais me marcaram foi o da esposa de um dos bombeiros, um sobre a criança que nasceu sem os órgãos genitais estarem completamente formados, e um sobre um liquidador de animais, que tinha que matar todos que encontrasse pelo caminho nas cidades abandonadas.
Recomendo a leitura principalmente por ser necessário conhecer a história, e melhor ainda, conhecer o outro lado dela. Este livro nos proporciona muito bem isso.
Por hoje vou ficando por aqui. Espero que esse texto de hoje tenha aguçado a curiosidade de vocês em relação ao desastre nuclear. Deixo abaixo um episódio de uma minissérie de reportagens feita para o Fantástico ao completar 30 anos do acidente. Vejo vocês na próxima!
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Esse assunto me intriga tanto! Já vi alguns docs sobre essa tragédia, mas nunca li nada. Me interessei bastante por essa publicação.
ResponderExcluirSuper beijos,
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Esse livro é uma ótima fonte sobre o que aconteceu! Recomendo muitíssimo.
ExcluirÉ de fato importante analisar fatos históricos como esse por essa ótica, e que todos possam entender o quão importante a democracia é. É em governos autocráticos como a antiga URSS que ocorre o maquiamento, a ocultação e a manipulação de acontecimentos importantes como esses. Além de interessante, apesar de triste, ouvir esses relatos de quem sofreu o ocorrido na pele.
ResponderExcluirE se eu disser que o livro tem relatos pesados, ainda estou pegando leve com ele. É muitíssimo interessante conhecer o outro lado dos fatos, de quem realmente esteve lá e presenciou o que aconteceu. É preciso manter a história viva.
ExcluirQuando se lê, escuta ou assiste algo falando, ainda que de forma rasa sobre Chernobyl, isso automaticamente te abala em função da infeliz grandeza do desastre.
ResponderExcluirO que entristece não são os números frios, a natureza do desastre,os relatos em si a partir da ótica jornalistica que em muitas vezes busca o sensacionalismo pelo terror, mas saber a forma escabrosa com que o governo lidou com as vidas de pessoas que mais do que nunca precisariam de apoio a partir dos relatos dessas pessoas que vivenciaram a tragédia.
Provavelmente se não fossem estas pessoas, o desastre de Chernobyl seria "vendido" pelo governo como um pequeno incidente sem grandes impactos na história da humanidade, pois é notável que o Interesse dos grandes geralmente se sobrepõem à vida.