quarta-feira, 4 de abril de 2018

Livro: VOZES DE TCHERNÓBIL - Svetlana Aleksievítch

Há temas/assuntos que são difíceis de compreender, tanto na perspectiva histórica, quanto olhando para o indivíduo que estava nela. Mas ai vai o questionamento: quantas vezes ouvimos as vozes ditas por quem efetivamente presenciou tal acontecimento, deixando um pouco de lado as filosofias e romantismos construídas sobre a história?

Svetlana traz essa outra perspectiva para nós.

Resenha Último Ato!
  • Título: Vozes de Tchernóbil
  • Autor: Svetlana Aleksiévitch
  • Editora: Companhia das Letras
  • 319 Páginas
  • 1ª Edição – 2016
Sinopse:
Para marcar os trinta anos do desastre de Tchernóbil, chega ao Brasil o relato mais impressionante do pior acidente nuclear da história.
Em abril de 1986, uma explosão na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia — então parte da finada União Soviética —, provocou uma catástrofe sem precedentes: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera e a cidade de Pripyat teve que ser imediatamente evacuada.
Tão grave quanto o acidente foi a postura dos governantes soviéticos, que expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os reparos na usina. Pessoas comuns, que mantinham a fé no grande império comunista, pereciam após poucos dias de serviço.
Por meio das vozes dos envolvidos na tragédia, Svetlana Aleksiévitch constrói este livro arrebatador, que tem a força das melhores reportagens jornalísticas e a potência dos maiores romances literários. Uma obra-prima do nosso tempo.
Tchernóbil (ou Chernobyl), Ucrânia, 26 de abril de 1986: quando a vida de muitas famílias mudou para sempre. Durante um teste de segurança com o quarto reator da usina nuclear situada na cidade, reator esse que tinha sido comissionado apenas três anos antes e já estava em funcionamento, há uma explosão. O fogo que veio em seguida ajudou a piorar o quadro e espalhar ainda mais radiação pela cidade. Estrôncio-90, Iodo-131, Césio-137, compostos altamente nocivos que foram lançados a 1km de altura quando o teto de uma tonelada do reator foi aos ares.

Os bombeiros são chamados, e aquilo é tratado como um incêndio como qualquer outro. Eles estão apenas com roupas simples, sem qualquer nenhuma proteção especial, e assim recebem altas doses de radiação enquanto controlam o incêndio. Aquela radiação está perigosamente maior do que um corpo humano poderia receber.

Mas mesmo correndo risco de vida (e tendo todos esses bombeiros morrido após o incêndio), ainda há muito o que falar sobre eles e sobre as demais pessoas que moravam perto dos reatores da usina nuclear. Quem são eles, e por que ninguém os deu ouvidos após o acontecido?
"Para que um acontecimento se torne história, são necessários uns cinquenta anos. Mas nesse caso as marcas ainda estarão quentes."
Reator 4 após a explosão. Imagem: drwtfblog
"Mesmo envenenada pela radiação, esta é a minha terra. Não somos mais necessários em lugar nenhum. Até os pássaros preferem seus ninhos."
O acidente em Tchernóbil foi classificado como nível 7 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares, sendo esse o nível máximo. A cada 14 pessoas entre 46 e 50 anos apenas UMA morre de velhice. Há 6 mil doentes (de doenças oncológicas) a cada 100 mil, um número cerca de 74 vezes maior da estimativa feita antes do acidente. Ainda hoje é difícil contabilizar todo o resultado da catástrofe: grávidas que perderam seus filhos por causa da exposição, senhoras que adoeceram após terem que abandonar suas casas por causa da ameaça silenciosa, incolor e inodora.

Aquela foi - e ainda é! - uma guerra. Mas de quem contra quem? Quem era o culpado?

Vozes de Tchernóbil nos conta a história do acidente e como ficaram as cidades vizinhas à Usina. Mas como eu disse na introdução do post, isso não é feito de acordo com o olhar externo de um jornalista ou outra pessoa que procura filosofar ou romantizar o acontecido, mas justamente pelas pessoas que lá estavam, que foram os maiores prejudicados.
"Duas mulheres de Tchernóbil conversavam. A primeira diz: 'Você sabia que nós estamos com muitos glóbulos brancos?'. A outra: 'Que besteira! Ontem eu cortei o dedo e o sangue jorrou vermelho'."
Parque abandonado na cidade de Pripyat, a 4km de Tchernóbil.
"Por acaso há algo mais pavoroso que o homem?"
Foi somente 36 horas depois da explosão que todos começaram a ser evacuados. Foram 166 mil evacuados ao total. O que o governo afirmava estar "sob controle" não estava nem um pouco controlado. Todos foram expostos à radiação e tiveram que sair de casa sem levar nada, nem mesmo os animaizinhos de estimação, e eles sequer haviam sido informados que nunca mais voltariam.

No livro de Svetlana conhecemos os responsáveis pela construção do primeiro sarcófago sobre o reator (que impedia da radiação continuar saindo em níveis exorbitantes), os liquidadores, as famílias deles. Como nenhum deles tinham condições de trabalhar nos locais, e como expuseram suas vidas a esse ato considerado como heroísmo. Vemos depoimentos cheios de angústia, raiva, dúvida, saudade, desamparo. A dor de cada um é refletida em suas palavras.

Eu não conseguia parar de pensar sobre o descaso do governo da antiga URSS (União Soviética) para/com os moradores próximos da usina, era como se a vida deles não fosse importante, e aquilo devesse permanecer em segredo. Ninguém sabia de nada e todos tiveram suas vidas abaladas de certa forma.
"Depois de Tchernóbil, o que restou foi a mitologia de Tchernóbil. Os jornais e as revistas competem entre si para ver quem escreve as coisas mais terríveis, e esses horrores agradam, sobretudo, àqueles que não os viveram."
Mais do parque de diversões em Pripyat. Imagem: bol notícias.
"Todo o tempo, comparamos essa situação com a guerra. Mas podemos entender a guerra. O meu pai me falou sobre ela, eu li nos livros... Mas e isso, o que é?"
Svetlana recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 e suas obras estão cheias de vozes que contam as histórias de homens e mulheres soviéticos e pós soviéticos. Devo dizer que li este livro no Kindle, então devo falar sobre a edição dele por lá, e não da física. A leitura foi bem pesada justamente pela carga emocional envolvida. Cada voz com sua forma de se expressar, e a cada momento aparecia algo mais chocante.

Creio que os relatos que mais me marcaram foi o da esposa de um dos bombeiros, um sobre a criança que nasceu sem os órgãos genitais estarem completamente formados, e um sobre um liquidador de animais, que tinha que matar todos que encontrasse pelo caminho nas cidades abandonadas. 

Recomendo a leitura principalmente por ser necessário conhecer a história, e melhor ainda, conhecer o outro lado dela. Este livro nos proporciona muito bem isso.

Por hoje vou ficando por aqui. Espero que esse texto de hoje tenha aguçado a curiosidade de vocês em relação ao desastre nuclear. Deixo abaixo um episódio de uma minissérie de reportagens feita para o Fantástico ao completar 30 anos do acidente. Vejo vocês na próxima!


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5 comentários:

  1. Esse assunto me intriga tanto! Já vi alguns docs sobre essa tragédia, mas nunca li nada. Me interessei bastante por essa publicação.

    Super beijos,
    Missmoon | BLOG & STORE - Por Neila Bahia
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    1. Esse livro é uma ótima fonte sobre o que aconteceu! Recomendo muitíssimo.

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  2. É de fato importante analisar fatos históricos como esse por essa ótica, e que todos possam entender o quão importante a democracia é. É em governos autocráticos como a antiga URSS que ocorre o maquiamento, a ocultação e a manipulação de acontecimentos importantes como esses. Além de interessante, apesar de triste, ouvir esses relatos de quem sofreu o ocorrido na pele.

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    1. E se eu disser que o livro tem relatos pesados, ainda estou pegando leve com ele. É muitíssimo interessante conhecer o outro lado dos fatos, de quem realmente esteve lá e presenciou o que aconteceu. É preciso manter a história viva.

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  3. Quando se lê, escuta ou assiste algo falando, ainda que de forma rasa sobre Chernobyl, isso automaticamente te abala em função da infeliz grandeza do desastre.

    O que entristece não são os números frios, a natureza do desastre,os relatos em si a partir da ótica jornalistica que em muitas vezes busca o sensacionalismo pelo terror, mas saber a forma escabrosa com que o governo lidou com as vidas de pessoas que mais do que nunca precisariam de apoio a partir dos relatos dessas pessoas que vivenciaram a tragédia.

    Provavelmente se não fossem estas pessoas, o desastre de Chernobyl seria "vendido" pelo governo como um pequeno incidente sem grandes impactos na história da humanidade, pois é notável que o Interesse dos grandes geralmente se sobrepõem à vida.

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